"Uma
vida inteira dedicada à tradição do Tambor de Crioula: essa é a
história de Mestre Amaral, um homem que realizou o sonho de viver da sua
fé e devoção a São Benedito. Nascido em uma família de coreiros e
coreiras da Baixada Maranhense, ele é o filho caçula de 18 irmãos. E foi
justamente o filho mais novo que mais se apegou à tradição da família.
Entre
todos os filhos de seu Miguel Arcanjo e dona Filomena Mendes, alguns se
formaram e moram em outros estados, enquanto outros seguiram as mais
diversas profissões. Mas Mestre Amaral foi o único que seguiu carreira
dentro da manifestação cultural que tem o título de Patrimônio Cultural
do Brasil.
Ele
acompanhava o pai nas rodas de Tambor de Crioula desde os 5 anos. Mesmo
com tão pouca idade, o pai o levava em um banquinho de madeira a cavalo
para os pagamentos de promessas que duravam a noite toda. Foi
observando a apresentação dos tocadores e coreiras que ele começou a
aprender as primeiras batidas do ritmo incessante.
Em
casa, o pai de Mestre Amaral também fazia questão de repassar todos os
seus conhecimentos para os filhos desde as toadas até a montagem dos
instrumentos. 'Hoje, é tudo mais fácil para fazer os instrumentos com a
energia elétrica. Mas no tempo que meu pai me ensinou, a gente tinha que
usar o ferro quente para furar e até colocar partes no forno quente.
Era tudo tradicional', recordou.
Mas
foi em São Luís que ele passou por vários grupos como o de seu tio,
mestre Felipe de Sibá, e outros grandes nomes como os mestres Leonardo,
Apolônio e Nivô, e batalhou para realizar o sonho de ter o próprio grupo
de Tambor de Crioula.
Trabalho
- Enquanto não acompanhava as rodas de tambor ou aprendia mais com o
pai, a vida em Tabocal, comunidade de São Vicente Férrer, era de muito
trabalho. Todos os filhos ajudavam a cuidar de uma roça e da produção de
farinha de mandioca no quintal de casa para que os produtos fossem
vendidos para grandes comerciantes da cidade.
Por
causa disso, Mestre Amaral não teve a oportunidade de um ensino
regular. A própria mãe o colocava para estudar a cartilha do ABC e a
tabuada em casa. "Hoje, o povo pensa que pode até ser judiação colocar
os filhos para trabalhar como aconteceu comigo. Mas acho que aprendi
mais trabalhando e ajudando meus pais do que indo para a escola, porque
foi assim que aprendi a respeitar e ter empenho nas coisas", afirma.
Apenas
depois que o pai morreu, Mestre Amaral veio para São Luís para morar no
Bairro de Fátima e depois no Coqueiro - Estiva. O primeiro emprego
formal foi em uma cerâmica da capital, onde ele trabalhava na produção
de tijolos. Depois disso, passou por uma empresa como ajudante de
pedreiro e acabou sendo contratado. E o último foi na Companhia de
Saneamento Ambiental do Maranhão (Caema), quando o mestre já tinha quase
30 anos.
O
tambor - Sem tempo para se dividir entre o trabalho e o Tambor de
Crioula, Mestre Amaral optou por se dedicar somente ao tambor. "Eu pedia
para sair mais cedo para ir para o tambor e meus chefes me liberavam,
mas não me sentia mais a vontade para pedir toda vez. Depois de muito
pedir, decidi sair do trabalho para montar meu tambor. Não queriam nem
me dar as contas perguntando se eu ia viver de terecô", conta.
Foi
quase um ano até conseguir realizar o sonho de montar o próprio grupo.
Mestre Amaral lembra que quando decidiu deixar o emprego para seguir
carreira como mestre de Tambor de Crioula, ele estava recém-separado da
primeira esposa e ainda não tinha um lugar para morar. Por isso, todo o
dinheiro que recebia usava para pagar o aluguel e não sobrava muito para
montar seu grupo. "Nunca me arrependi de ter largado o trabalho para
fazer o que gosto. O Tambor de Crioula é uma paixão que só vai acabar
quando eu morrer, mas vai continuar com meus filhos e o pessoal do meu
tambor".
Mesmo
com toda dificuldade, ele não deixou se abater e começou a ministrar
oficinas sobre como montar e tocar os tambores e vender miniaturas de
instrumentos feitas por ele no terraço da Fonte do Ribeirão. Quando se
mudou para o Beco da Pacotilha, seu nome já era referência. Começaram a
surgir convites para tocar em aniversários, eventos promovidos por
igrejas católicas e até em casamentos. 'Parece que eu fechei o olho e
quando abri já tinha virado mestre. Foi muito rápido apesar de toda a
dificuldade. Mas foram as pessoas que fizeram o que sou hoje', diz.
Centro
Cultural - Como as rodas de tambor que ele promovia ficavam cada vez
maiores, era preciso encontrar um lugar mais confortável para os
coreiros e coreiras que se juntaram a Mestre Amaral e para ampliar as
oficinas que eram ministradas por ele. Depois de muito procurar, ele
encontrou um prédio abandonado ao lado da sede da Prefeitura de São
Luís, na rua conhecida como Montanha Russa.
Há
quase dois anos, o local onde já havia funcionado um restaurante estava
ocupado por dezenas de moradores de rua e usuários de droga. Mas Mestre
Amaral conseguiu transformá-lo em um ponto de cultura. "Eu pensei: 'Meu
Deus, me ajuda a encontrar um espaço porque eu sei que não é certo, mas
vou tentar ocupar um lugar, não invadir'. Passei dias e três noites sem
dormir aqui tentando tirar o pessoal e consegui sem brigas. Essa foi a
maior provação que eu passei e meu São Benedito me ajudou a vencer",
afirma.
Mestre
Amaral enfrentou ainda uma ação judicial que pedia a retirada dele do
local. Mas com o apoio de muitas pessoas que acompanhavam seu trabalho e
funcionários dos órgãos públicos vizinhos ao centro cultural, ele
conseguiu a concessão para se manter no espaço em que atualmente mora
com sua família e trabalha.
Referência
- Por causa de sua grande preocupação em manter o Tambor de Crioula
vivo e da forma mais tradicional possível, Mestre Amaral ganhou
reconhecimento em todo o país. Ele já foi convidado a ministrar oficinas
em cidades como Belo Horizonte, Viçosa, Florianópolis e Fortaleza,
cidade onde criaram o grupo de tambor Filhos do Sol - Discípulos de
Mestre Amaral. Além disso, ele já se apresentou na África em 2007,
levado pela Secretaria estadual de Cultura .
Apesar
do esforço, ele conta que a manifestação popular já sofreu muitas
transformações. Mas dentro do seu tambor, os costumes aprendidos com seu
pai ainda na região da Baixada não perdem espaço. "Hoje, as pessoas
veem o tambor mais como uma opção de lazer, mas não pode ser assim. Não é
só para querer se divertir, beber e tirar foto. Tem que respeitar São
Benedito, os coreiros e as coreiras", frisa.
Uma
das tradições mantida pelo mestre é utilizar apenas a cachaça pura
durante as rodas de tambor, que segura as apresentações até o nascer do
sol. Outra é encerrar a roda de tambor em frente ao altar de São
Benedito para pedir proteção também a Preto Velho, Santa Cecília,
Iemanjá, Santo Antônio e Nossa Senhora de Aparecida.
Além
disso, Mestre Amaral não dispensa o pagamento de uma promessa de
família que ocorre todo ano. Em todo dia 14 de outubro, uma grande festa
é oferecida a São Benedito para pagar uma promessa feita pelos
tataravôs de Mestre Amaral e que já foi passada por quatro gerações da
família. O motivo da promessa ele não lembra, mas conta que espera que
os filhos continuem com a tradição. “Assim como fazia no interior, a
gente não vende nada no dia da promessa. Tudo que tem aqui é dado:
cachaça de Brejo de Anapurus, azeite de coco e mel de abelha. A gente
mata o porco e as mulheres cozinham. No tempo do meu pai ainda tinham as
ladainhas, que eram as novenas. Esse que é o ritual", relata".
Mestre Amaral - Vou Levantar Bandeira
Adaptação: Cassio Oliveira
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